Problemática do ministério NX Zero

Na obra futurista “Admirável Mundo Novo”, o britânico Huxley descreve um mundo onde a felicidade é sentida na pele, com o uso indiscriminado de entorpecente, sexo estimulado desde a tenra idade e até cinema com sensações que deixam Guerra Infinita coisa do século passado. A religião é censurada enquanto noção do transcendente, mas clubes onde rolam drogas, mantras e danças ritualísticas ainda existe.

Há um certo paralelismo entre a ficção e nossa realidade. Somos de fato uma sociedade sensível. Você prefere séries e não livros pela sensação que as primeiras lhe dão. Você compra pela sensação que a propaganda lhe fornece. Ao seu redor, o mundo só fala de sexo e o seu prazer está em consumir álcool e o que mais seja bom pra seu corpo jovem. A existência se resume a sua satisfação hedonista

Esse comportamento entra na Igreja cristã na forma de secularismo e se torna visível no culto comunitário. Novos elementos têm adentrado no Santo dos Santos. Elementos esses muito sensoriais, como jogo de luzes e gelo seco, apresentações artísticas diversas, e que fazem um contraste com a exposição bíblica racional a respeito do logos divino. O entrave resultante foi resumido pelo ministério de louvor NX Zero: Entre razões e emoções, qual a saída? É fazer todos esses apetrechos valer a pena?

1. O culto é a prática teológica

Uma boa saída é perguntar a Deus como Ele quer ser adorado. Mas convenhamos: qual a última vez que você fez essa pergunta? Só nesse ano você já deve ter questionado Deus a respeito do seu futuro, seu namoro, seu trabalho, sua roupa de ir ao culto. Isso é fruto desse secularismo. Queremos que Deus nos forneça respostas aos nossos interesses sem sequer entender que o uma vida de intimidade com nosso Senhor não virá quando desejarmos saber o que nos interessa, mas quando desejarmos saber o que interessa a Ele. Não obstante, isso se reflete no nosso “culto dos dias úteis” -- quando não buscamos os meios que glorificam a Deus em nosso cotidiano -- e em nosso culto comunitário.

O culto é resultado de nossa concepção de Deus, nossa teologia, seja ela uma teologia saudável ou deficiente, com alegorias distorcidas do criador. Geoffrey Wainwright procura demonstrar que desde os tempos da Igreja Primitiva a liturgia é derivada de reflexões teológicas de seu nicho [1]. Jonas Madureira vai dizer que não existe teólogo sem igreja; o fim da teologia é servir à Igreja [2].

2. A Bíblia nos revela o Princípio Regulador do Culto

Entretanto, homens do passado perguntaram a Deus sobre como proceder em sua adoração. Veja o que diz a Confissão Batista de Londres em 1689: “Mas a maneira aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada”, isto é, pela Bíblia.

Nela encontramos diretrizes rígidas. Desde grandes detalhes na construção do templo (1Cr 28.11-19) até os passos do ritual de expiação (Hb 9.1-7). Conforme o autor de Hebreus diz, não convém entrar nesses detalhes, apenas ressaltar que isso era uma ilustração simbólica do messias que viria (Hb 9.9).

Além disso, nessas especificações descobrimos que Deus se importa com a forma de ser adorado. Os dez mandamentos são um reflexo disso. Os três primeiros mandamentos são dedicados a parâmetros que devem ser seguidos ao prestar culto a Deus. E o que dizer da emblemática passagem de Cristo com a samaritana. Ali, Jesus diz que importa (do grego, δει, é necessário, é conveniente, correto) que adorem em espírito e em verdade (Jo 4.24).

3. Não há nada além do padrão divino

Todas essas passagens demonstram que há um padrão divino a ser seguido. Por conseguinte, elas eliminam a hipótese de que podemos proceder como bem entendermos. Conforme Deuteronômio 12.30-32:

“e depois que elas forem destruídas, tenham cuidado para não serem enganados e para não se interessarem pelos deuses delas, dizendo: "Como essas nações servem aos seus deuses? Faremos o mesmo". Não adorem ao Senhor, ao seu Deus, como fazem essas nações, porque, ao adorarem os seus deuses, elas fazem todo tipo de coisas repugnantes que o Senhor odeia, como queimar seus filhos e filhas no fogo em sacrifícios aos seus deuses. Apliquem-se a fazer tudo o que eu lhes ordeno; não lhe acrescentem nem lhe tirem coisa alguma”.

4. O Calvinismo nos leva ao Princípio Regulador

Loucura seria pensar o contrário. A depravação total nos avisa que todos nossos aspectos foram afetados pelo pecado, inclusive e principalmente nosso relacionamento com Deus. Seria inocência, então, sustentar que podemos definir os elementos presentes no culto ao nosso bel prazer. Ao contrário, devemos reconhecer nossa corruptibilidade em nos achegar a Deus, procurando as diretrizes que Ele designou para cultuá-lo.

A doutrina da eleição também nos mostra que a salvação é obra exclusiva de Deus. Ele a determinou conforme seu próprio conselho. O nosso relacionamento com Deus foi reconstruído por Ele e não fizemos parte dessa construção. Aliás, toda nossa experiência com o Criador próvem dEle; tudo é revelação e graça. Seria presunção supor que de agora em diante podemos criar novos meios de relacionamento senão aqueles determinados no plano de salvação. Seria como deixar de chamar Deus de Pai para chamá-lo de “coroa”.

A Igreja é a implicação imediata do plano de Salvação, e esse plano foi arquitetado no coração do Senhor, sendo Ele o cabeça e nós o corpo que se submete ao Seu senhorio. Infelizmente parece que o corpo cristão contemporâneo confessa Jesus como Senhor apenas de sua vida pessoal, ficando esse senhorio exilado durante a revolução da plataforma do púlpito. “A igreja é a hermenêutica do evangelho” [3]. Ela deve ser o resplendor da ação soberana de Deus na humanidade sujeita, que clama “venha o Teu Reino, seja feita Tua vontade”.

5. O que pode, então?

Depois desse discurso moralista, conservador, fundamentalista, fascista e coxinha, você me pergunta: então como estruturaremos o culto a Deus. Olhemos para a Igreja primitiva.

A começar no livro de Atos, vemos os apóstolos se reunindo para orar (At 1.14). Ou seja, oração faz parte de um culto comunitário. No segundo capítulo, vemos esses apóstolos exaltando as grandes obras de Deus (At 2.11). Logo, num culto comunitário há o uso de dons espirituais com o objetivo de declarar a glória de Deus. Ainda no capítulo dois, vemos que na Igreja havia dedicação (do grego, προσκαρτερεω, que significa perseverar, aderir, ser dedicado, atento, i.e., não é somente ouvir) ao ensino dos apóstolos, à comunhão entre os parças, chegando a repartição de alimentos, e à oração (At 2.42). No último versículo desse capítulo vemos que eles também louvavam a Deus (de novo, do grego, αινεω, exaltar, cantar louvores, recomendar ou até jurar. Tudo coisa que se faz com a boca. Tem nada aqui que fale de louvor por outra parte do corpo).

Partindo para as epístolas, vemos Paulo instruindo como deveria ser feita ceia, demonstrando que ela é um elemento de culto e que, mais uma vez, há um modelo definido pelo Senhor que devemos seguir (1Co 11.23-26). Mas é no capítulo 14 que vemos Paulo fazendo mais uma de suas listas. Ele ordena que quando os os irmãos forem se reunir, tenham salmos (do g-r-e-g-o, ψαλμος, significa algum som, música, algo que produza som, ou seja, não é exatamente um Salmo bíblico), palavra de instrução (διδαχη, por uma interpretação estrita, doutrina; sendo mais flexível, algum ensinamento bíblico), revelação e dons espirituais diversos, desde que de maneira ordena (1Co 14.26-33). A mesma estrutura pode ser encontrada em Cl 3.16: palavra, ensino, aconselhamento e cânticos.

Em 1Tm 2.1, o conselho de Paulo é que a Igreja em Éfeso que façam orações e súplicas por todos os homens, e no versículo 8 há a advertência para se ter mãos santas, isto é, sem divergências. E o autor de Hebreus admoesta para adorarmos a Deus de modo aceitável, com reverência e temor santo (Hb 12. 28).

6. Não me venha com jurumelas

Creio que fica nítido, então, que há passagens suficientes, tanto doutrinárias como descritivas, a respeito da estrutura bíblica de um culto comunitário. E antes que alguém questione “quer comamos, quer bebamos, façamos tudo para a glória de Deus”. Correto, mas é um erro lógico e hermenêutico deduzir por essa passagem (1Co 10.31) que podemos adicionar qualquer coisa no culto comunitário.

Todos as coisas que faço devem glorificar o Criador, desde o lavar de pratos, passando pelo trabalho e produções artísticas diversas, até o sexo que casados praticam. Entretanto, eu não posso levar uma apresentação circense, um artista pintando uma tela para o culto, ou um vídeo da lua de mel dos recém casados. Do mesmo modo, eu não posso pegar o pão e o vinho e realizar a ceia sozinho no meu quarto. Não assim que a Ceia foi instituída. Fica óbvio que existem prerrogativas distintas para o culto comunitário que são apenas dele.

Por fim, quero voltar à passagem de Jo 4.24. Adorar em espírito e em verdade. O termo “verdade” (αληθεια), possui dois sentidos: o subjetivo e o objetivo. O subjetivo abrange a interpretação comum, a saber, a ideia de adoração sincera, verdadeira. Todavia, no sentido objetivo, a Verdade assume a posição normativa do que é correto, factuoso. Assim, há uma Verdade normativa a ser seguida quando se propõe a adorar. Ora, o pedido do nosso Senhor foi: “santifica-os na verdade; a Tua Palavra é a Verdade” (Jo 17.17). Que a cada dia sejamos santificados através da Palavra de Deus, e que isso aconteça com o culto que é por nós ofertados a Ele. A saída não é fazer valer a pena. A saída é fazer o que vai a pena: seguir os mandamentos do Senhor.

“Isso é suficiente para elevar nossos pensamentos aquilo que poderá acontecer quando a alma redimida, muito além de qualquer esperança e quase além do que se pode acreditar, por fim toma conhecimento de que agradou aquele a quem foi criada para agradar” [4].

Notas

[1] MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica. Shedd Publicações, 2010.
[2] MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. Vida Nova, 2017.
[3] MCCONNEL, Mez e MCKINLEY, Mike. Igreja em lugares difíceis. Editora Fiel, 2016.
[4] LEWIS, C.S. O peso da Glória. Thomas Nelson Brasil, 2017.

Comentários

Postagens mais lidas no mês

Entendendo a piada - #1

Política é coisa do capeta? - Política #1

A teoria Dragon Ball Z - Política #3