Entrando de Sola - #1

Sola, segundo o Google, “parte mais dura e resistente do calçado, correspondente à planta do pé...”. Como devemos calçar as sandálias do evangelho da paz (Ef. 6.15), nada melhor do que começar com a base dessa sandália que é o Sola Scriptura (trocadilho maroto). Mas antes de estourar o champagne para começar o aniversário da reforma, vamos conceituar as coisas.

Sola Scriptura é Scriptura?

Há a argumentação de que se usamos apenas a Bíblia para nos embasar, temos que provar o Sola Scriptura biblicamente, o que segundo os opositores, não é possível. Entretanto, vemos Cristo frequentemente agindo, julgando e até vencendo tentações sempre conforme o Antigo Testamento (tão frequente que referenciar seria bobagem). Na clássica passagem de 2 Timóteo 3.16, Paulo diz que todo o Antigo Testamento (e por si só) é útil para a vida prática. Entretanto, na primeira carta ao guri, Paulo cita uma passagem do Antigo e outra do Novo Testamento, igualando ambas como Escrituras (1Tm 5.18), da mesma maneira, ele declara Escritura o relato neotestamentário da morte e ressureição de Cristo (1Co 15.4). Pedro também iguala os escritos de Paulo com as demais Escrituras (2Pe 3.15-­16). Em Gálatas, Paulo enfatiza que o Evangelho já havia sido entregue, implicando a inutilidade de qualquer outra base doutrinária e autoritária. Sendo assim, o pressuposto do Sola Scriptura é sim, bíblico. Foi através da Bíblia que os reformadores encontraram esse princípio [1].

Indo mais além, quero examinar o princípio do Sola Scriptura através de livros bíblicos (assim como buscarei fazer durante toda essa série, na tentativa de não chover tanto no molhado). Pra começar, examinaremos os livros de 1º e 2º Timóteo.

O conselho para toda igreja

Essas cartas são chamadas de epístolas pastorais, pois buscam traçar diretrizes para questões eclesiásticas. São conselhos que guiarão o jovem Timóteo no seu pastoreio em Éfeso. E como começa os conselhos e a eclesiologia de Paulo para Timóteo? Com o cuidado com a sã doutrina! (1Tm 1.3). As diretrizes do apóstolo, mesmo nas questões mais práticas e específicas, sempre são remetidas para a sã doutrina, a ponto de Paulo colocar em união o cuidado com a vida e da doutrina (1Tm 4.16).

Foi difícil escrever esse post porque já falei bastante sobre Sola Scriptura. Pra compensar, dá uma lida aí:


É evidente, em toda a carta, que no que tange a postura de um líder eclesiástico e a congregação que pastoreia, a observância atenta e contínua da Palavra. É lastimável, entretanto, que a sola do sapato na qual a Igreja deve pisar com firmeza tenha sido tão negligenciada. Nas palavras do Franklin Ferreira:

"Mesmo os debates mais básicos, como os que tratam de aspectos da ética cristã, são pautados não mais pela Escritura, mas pela mera opinião pessoal. Seguem irrestritamente a opinião de um líder religioso ou alguma ideologia política. (…) Com isso, no âmbito de certas igrejas, basta unir alguns chavões piedosos à linguagem religiosa e qualquer ideia passará facilmente por cristã." [2]

Quantas igrejas insistem em permanecer no debate raso sobre tatuagem, sem nunca usar a Bíblia (ou a sua correta interpretação e aplicação). Quantas definem sua posição quanto às músicas seculares e hinos que podem ser entoados no templo apenas no seu gosto pessoal. Basta um “feito a imagem e semelhança”, “seja sal”, “adore em espírito” ou ainda um “não vos conformeis com esse mundo” ou “tudo é lícito mas nem tudo convém” e pronto: tudo resolvido. Não há qualquer reverência a Palavra.

A reforma descobriu o motor

Quando Timóteo é admoestado a guardar as Escrituras, não é simplesmente para deixá-la como enfeite, mas porque a Bíblia é a mola propulsora da Igreja. Ela é o motor da Igreja, alimentado pelo Espírito Santo (daí que vem a ideia do fogo do Espírito kkkk). Se é difícil pisar com firmeza sem a Bíblia, imagine sair do lugar. Isso é evidente na famosa passagem supracitada de 2Tm 3.16-­17:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.

Essa é a sacada que eu tento deixar nesse post. Ao contrário do que o senso comum gospel imagina, o profundo e verdadeiro deleite nas Escrituras deve levar o homem a ação, seja adorando a Deus ou servindo o próximo. Se a sua segunda-feira não é dirigida pela Palavra, se você não se submete ao senhorio do Cristo da Bíblia em seus posicionamentos, você está praticando a idolatria do seu próprio eu.

É através da Palavra que você será apto para praticar boas obras. E será somente através de homens formados na Palavra que a Igreja se moverá nas vielas de suas cidades, deixando fortes pegadas oriundas de sua sola.

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Uma boa prática cristã é enxergar relances da verdade em cada centímetro quadrado. Essa música do Jota Quest fala de como tudo está sustentado pela palavra. Além disso, é o pop que eu gosto: inteligente na letra e nos arranjos.


Notas

[1] É claro que eu condensei muito em um único parágrafo. Há algumas passagens, principalmente as usadas pela Igreja Católica para defender a tradição e a autoridade da instituição, que poderiam ser abordadas. Todavia, o cunho desse texto não é apologético.
[2] Ferreira, Franklin. Pilares da fé: A atualidade da mensagem da Reforma. Vida Nova, 2017.

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