Cristo (porque esse título é suficiente) - #2

Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e, por estarem nele, que é o Cabeça de todo poder e autoridade, vocês receberam a plenitude. (Cl 2.9-10)

Certa vez, numa roda de conversa eu defendi que só há pregação do evangelho se a mensagem referenciar a Cristo. Um bom obreiro gostou disso e depois falou que tomou isso pra si. Depois da satisfação por minha palavra ter sido levada em conta (afinal, a carne grita), surge um espanto: como um líder de uma congregação se surpreendeu com minha afirmação? Isso deveria ser óbvio! Como ele faz seus sermões todos os cultos sem atentar pra esse princípio fundamental?
Não é preciso observar muito pra diagnosticar que esse estado se tornou uma epidemia na Igreja brasileira. Falamos de sonhos, promessas, sofrimento, dos mandamentos, adoração exceto de Cristo. Ele não é o centro nem o alvo do culto. Logo, não é a Ele que estamos prestamos louvor nos domingos. Parece pesado, mas essa é uma conclusão tão lógica quanto alarmante.

Senhor do universo

Paulo, entretanto, revela na sua carta aos colossenses o senhorio de Cristo. Num hino maravilhosamente lindo, o apóstolo vem revelar que Jesus detém toda autoridade nos céus e na terra (Cl 1.16) e inclusive sobre a Igreja (Cl 1.18). Ele é Deus (Cl 2.9) e isso deve implicar numa postura completamente diferente nas nossas ações.

É em Jesus que tudo subsiste, que tudo está coeso, em ordem (Cl 1.17). Timothy Keller demonstra que até a ciência precisa crer que todo o sistema estudado não entrará no caos no próximo segundo pela lei da entropia, mesmo que não possa provar isso [1]. Dias Lopes afirma:

"A conversão se evidencia pela submissão a Cristo. Jesus não é Salvador daqueles que ainda não se submeteram a Ele como Senhor. Jesus é apresentado como Salvador 22 vezes no Novo Testamento e 650 vezes como Senhor. A grande ênfase do Novo Testamento está no senhorio de Cristo" [2].

Senhor de sua vida

"Portanto, assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele, enraizados e edificados nele, firmados na fé, como foram ensinados, transbordando de gratidão" (Cl 2.6-7).

Nossa vida deve ser inspirada nEle. Isto é, nossa inspiração não deve estar em frases motivacionais, nossos planos não devem ser motivados apenas por nossa satisfação. Em suma, nossa vida é vivida pra Ele (Cl 3.17). Nossa fé deve está firmada nEle como uma raiz de planta. Ela não é removível durante a semana como peças de Lego. Segundo Lutero:

"Assim, se quisermos reconhecer se alguém é um cristão, conforme a palavra de Deus, temos de perguntar como ele está em relação a Cristo, se ele se apega somente à graça de Cristo… Por minhas obras, o jejuar, penso que posso ser chamado de jejuador; por minhas peregrinações, um peregrino, mas não de cristão". [3]

Paulo não diz para vivermos no templo por sermos cristãos. Ao contrário, estamos livres das regras religiosas (Cl 2.16-23). Agora pertencemos ao Reino de Cristo (Cl 1.13) e por isso devemos voltar nossa mente para as coisas dEle (Cl 3.1-3). Então, como cristãos, por que vivemos como se nossa vida dependesse apenas de nossos empreendimentos? Por que separamos o trabalho, a música, o estudo, o mundo, em partes santas e sagradas? (mais sobre Cristo e sua vida: o que Cristo oferece?) Ele é Senhor de tudo (Ef. 2.22).

Observe que a edificação abordada na passagem (Cl 2.6-7) só é possível conforme somos ensinados. O evangelho não é dado por genialidade mental. Antes, nos é transmitido pelo ensinamento de homens habilitados pelo Espírito Santo. A fé vem pelo ouvir. Mas como teremos fé em Jesus Cristo se não se prega Jesus Cristo (Rm 9.14)?

Senhor da Igreja

"Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria, e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seus corações. Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai" (Cl 3.16-17).

Aí está a resposta. Paulo parece indicar que exame da Palavra é o pressuposto para o ensino, aconselhamento e cânticos. Devemos ensinar, pregar, exortar, falar o Cristo bíblico, pois nEle habita toda a sabedoria (Cl 2.3). Devemos cantar com gratidão ao Filho dado pelo Pai e revelado pelo Espírito (mais sobre a centralidade de Cristo para a Igreja: O Whey Protein de Deus e não encoste na parede). Mais ainda, essa passagem propõe uma regulamentação do culto. Ele é uma oferta de gratidão a Deus por sermos chamados para viver em paz num só corpo, conforme o versículo anterior (v. 3.15). Lutero, com toda mansidão que lhe é peculiar, diz:

"O guarda de um bordel público é menos pecador que o pregador que não entrega o verdadeiro evangelho, e o bordel não é tão ruim assim como a igreja do falso pregador. Mesmo se o proprietário do bordel prostituísse diariamente virgens, esposas religiosas e freiras — por mais terrível e abominável que sejam tais coisas —, ele não seria pior nem causaria mais dano que esses pregadores papistas. Isto os surpreende? Lembrem-se de que a doutrina do falso pregador não causa nada mais que dia a dia desviar e violar almas recém-nascidas no batismo — cristãos jovens, almas tenras, noivas virgens, puras e consagradas a Cristo. Considerando que o mal é feito espiritualmente e não fisicamente, ninguém o observa; mas Deus está incomensuravelmente descontente" [3].

Dizer somente Cristo implica em sermões que revelem o Messias, músicas que exaltem Seu nome e Sua obra (mais sobre músicas gospel: ninguém explica Deus? e tirem as músicas gospel da Igreja). Ele é o sujeito e objeto direto de qualquer oração. É lamentável constatar com meus olhos celebrações em que o nome de Jesus é nota de rodapé. É desesperador escutar com meus ouvidos evangelismos em que não saem da Lei.

"Quando o Crucificado deixa de ser central a uma igreja, ela se torna uma caricatura. (...) O critério de uma verdadeira pregação não é se nos joga para cima e aumenta a nossa autoestima ou nos dá direção para o nosso dia a dia, mas se aponta para o Jesus Cristo crucificado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" [3].

Caro leitor, Jesus é o nome que está acima de todos, único em que há salvação. Ele é o único mediador entre nós e Deus. Ele é suficiente (At 4.12; 2Tm 2.15; Jo14.6).

"Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai" (Fp 2.9-11).

Notas

[1] KELLER, Timothy. A fé na era do ceticismo. Editora Vida Nova, 2015;
[2] LOPES, Hernandes Dias Lopes. Comentários expositivos Hagnos. Editora Hagnos, 2010;
[3] Ferreira, Franklin. Pilares da fé: A atualidade da mensagem da Reforma. Vida Nova, 2017.


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