O suicídio e a tola fé na vida

A palavra suicídio está no título da biografia de nossa geração. Ela tem causado intensos debates através de seriados na Netflix, na Conferência Fiel de jovens e, acima de tudo, na vida real. Além disso, recentemente mais um artista musical cometeu suicídio (Chester Bennington, da banda Linkin Park). Um número na soma de muitos anônimos que tomaram a mesma decisão.

Aos que ficam, sucede-se após a dor, o tributo pela vida e obra daqueles que se foram. Celebrar a vida dos mortos e dos vivos é palavra de ordem. Mas até onde isso é plausível? Qual é o "legado" que a ação do suicida nos deixa. Qual a reflexão que deveria vir à mente?

Tenha fé no revolver

Ter fé na vida. Ouvi ontem um colega citando essa frase ao encarar uma lista de exercícios nada legal. Descobri que ela é até tema de uma música do grupo Preto no Branco. Ela é a oração (duplo sentido) repetida também após a notícia de um suicídio. A pergunta é: por que confiar na vida? O que ela lhe dá de esperança para você confiar nela? Um futuro melhor, talvez?
Olhemos ao redor! Uma simples observação será suficiente para perceber que a vida não oferece nada. Pare tudo o que você faz e você verá o mundo se deteriorar ao seu redor. Essa é a punição pelo pecado original (Gn 3.17-19). Os frutos não brotam sozinhos, a sorte não tem sorte, o acaso não existe. A entropia [1] não para. É isso que o Pregador de Eclesiastes perspicazmente observa: nada faz sentido debaixo do sol, é correr atrás do vento (Ec 1.2; 1.14).

Aqueles que cometem suicídio também se deparam com essa nua realidade. Não há regozijo na vida. Na verdade, ela é a causa do abatimento. É por causa da constatação do pesar que é viver (Ec 1.13; 2.17) que surge o desejo pelo fim. O suicídio é um repúdio à vida. Não é por acaso que o autor de Eclesiastes considera em melhor posição os mortos (Ec 4.2). Esse é o corolário [2] da realidade da vida.

Limonadas ainda são limões

Ainda assim, há aqueles que se esforçarão para mudar essa realidade. Já que a vida não nos deve nada, vamos fazer dos limões, limonadas. Alguns até conseguirão altos feitos. Alguns poucos realizarão seus sonhos. Problema resolvido? Bem, pergunte ao Chester Bennington, ao Kurt Cobain, ao Chorão e tantos outros.

Essas pessoas e tantas outras, apesar de chegarem onde queriam e terem acesso a tudo o que seus corações desejassem, não encontraram solução para o problema que é viver. O autor de Eclesiastes também teve tudo o que um homem poderia ter. Ainda assim, estava insatisfeito (Ec 1.8; 2.10). A verdade é que os feitos desses nomes não foram suficientes para que a vida valesse a pena.

Então, por que celebrar a vida deles, se nem eles encontraram nela satisfação? É claro que fizeram coisas magníficas, mas perceberam que não foi suficiente. Isso não nos deveria nos fazer olhar para outra direção? O que faltou para suas vidas serem uma obra prima completa?

Vivendo à mercê de Deus

O escritor de Eclesiastes tinha todos os requisitos de um suicida em potencial. Mas, apesar de toda a força de sua escrita, é no livro que podemos encontrar consolo. F. Davidson chegou a dizer que o livro é a maior obra de apologética escrita [3]. E o é porque Eclesiastes apunhala toda a ilusão e fé tola dos homens, desde aquela época até nós, modernos do século XXI, para depois revelar a razão da sua esperança de permanecer debaixo do sol.

E ele assim o faz para que, seus ouvintes [4], desprovidos de qualquer esperança, se agarrassem na verdadeira razão de acordar pela manhã.

"Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mal." (Ec. 12.13-14)

Esse é um convite para a fé. A obra não se trata de um pessimismo de um velho rabugento. Não se trata de um epicurismo [5] cru. Antes, é um convite a esperança de que em meio a um mundo sem sentido, há um Deus que mantém o controle do mundo, e o julgará com retidão. É a certeza de que minhas mãos não acrescentarão um côncavo de vida a mim, mas assim mesmo, eu devo confiar no Autor do sermão do monte, pois Ele é o autor da vida. É Ele que trará o acorde que resolverá essa harmonia musical sem sentido. Ele é esse acorde.
Só em Cristo você entenderá a sua natureza e a realidade das coisas. Só em Cristo você encontrará redenção ao seu estado miserável. Só a crença em um deus trará sentido ao ciclo da vida; mas somente a fé em Cristo trará a ressureição dela. Ressureição para uma vida com abundância.

Notas

[0] Quando comecei o blog, decidi não me envolver em assuntos tão delicados como esses. Não tenho sabedoria suficiente para lidar com a amplitude do tema. Então, que fique claro que o que eu venho propor é uma perspectiva não sobre o suicídio, mas sobre como podemos começar a lidar com sua realidade. Creio que a Igreja precisa teologicamente e pastoralmente ponderar sobre essas questões afim de extrair a relevância do Evangelho nesses pontos. Assim, o post é um leigo pondo o assunto na mesa para outros leigos na esperança que isso possa ser útil;
[1] Entropia é uma medida física que mensura o grau de desordem de um sistema pela perda de energia. Essa desordem tende a aumentar com o passar do tempo;
[2] Corolário é uma dedução imediata de uma verdade que foi demonstrada anteriormente;
[3] DAVIDSON, F. O novo comentário da Bíblia. Edições Vida Nova, 1963.
[4] Ouvintes porque o termo "Eclesiastes" pode significar "aquele que convoca uma assembleia e se dirige a ela". RYRIE, C. C. Bíblia anotada: Edição expandida. Editora Mundo Cristão, 2007.
[5] Epicurismo é uma corrente filosófica que procura um prazer moderado. SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Editora Vida Nova, 2002.

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