Política é coisa do capeta? - Política #1


Um dia durante o almoço no estágio, um irmão - que adorava levantar questões e debatê-las - perguntou se a política era coisa do diabo. Imediatamente respondi que não, o irmão retrucou que sim. Daí saiu uma deliberação mas que não deu muito resultado. Fiquei surpreso que ainda haja cristãos que pensem dessa forma e por isso pretendo começar a série do posicionamento de que o governo não é demoníaco, pois muito do que virá após esse post precisará dessa premissa. Entretanto, iremos além, demonstrando qual é o lugar dessa coisa que é o governo.

Exorcizando demônios

O argumento básico para a ideia de um governo diabólico é o argumento de Satanás para Jesus, quando tentava o Cristo no deserto. Ali o coisa-ruim afirma que toda a autoridade dos reinos terrenos é dele (Lc 4.5-7). Conforme demonstrado por Grudem [1], o problema dessa afirmação é que ela vem de Satanás. A afirmação de Jesus é que Satanás é o pai da mentira (Jo 8.44b). Eu prefiro acreditar na palavra do Cristo do que na palavra do capeta. Além do mais, a Bíblia nos mostra que toda a autoridade vem de Deus (Rm 13.1) e que essa autoridade está a serviço de Deus (Rm 13.4).



Outro argumento, um pouco mais denso, é que o diabo seria o “deus desta era”, o “príncipe deste mundo” (Jo 12.31; 14.30; 16.11). O verbete aqui utilizado é “kosmos”, que seria o mundo criado organizado por Deus, conforme Paulo apresenta em Atenas (At. 17.24) [2]. A Bíblia fala que o pecado entrou neste mundo através do homem (Rm 5.18), ficando aos caprichos do maligno (1Jo 5.19).

Entretanto, a atuação de satanás no “kosmos” é espiritual, confundindo (1Co 1.21) e cegando o entendimento dos homens (2Co 4.4), com a intenção de escravizá-los ao seu domínio (Jo 8.44; At 26.18). Esse poder demoníaco não se refere especificamente à atuação governamental, e nem é um domínio extenso e absoluto sobre toda a criação e suas esferas. O homem sem Deus é escravo do diabo, mas não podemos dizer que sua família é uma constituição má.

Entronizando o Rei

Deus é soberano. Mesmo em épocas de governos perversos como o de Nabucodonosor, as Escrituras nos dizem que “o Altíssimo domina sobre os reinos dos homens e os dá a quem quer, e põe no poder o homem mais simples” (Dn 4.17). Devemos então nos apropriar dessa revelação e proclamá-la, seja a Herodes (Lc 3.19) seja a Félix (At 24.25), para que eles temam o Deus Altíssimo.


Além disso, sabemos que na cruz Cristo foi glorificado pelo Pai, de modo que toda a autoridade lhe foi dada, no céu e na terra (Mt 28.18), pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades (Cl 1.16). O inimigo já está condenado (Jo 16.11). Em suma, afirmar que a política é má e demoníaca é enaltecer a Satanás e diminuir o poder redentivo do sacrifício de Cristo. É atribuir maior poder ao pecado do que à graça.

Exorcizando o ocultismo

Mas há outras formas de encarar o Estado. O liberalismo, corrente que tem atraído grande parte do meio evangélico, em linhas gerais, traz em si a ideia de que o Estado é apenas fruto de um contrato social entre indivíduos. Ou seja, a autoridade o Estado vem de um contrato estabelecido em algum momento do passado. Por isso, há alguns liberais que chegam a enxergá-lo como uma espécie de mal necessário [3].

Há aqueles apaixonadamente democratas que dirão que a “voz do povo é a voz de Deus”. A democracia quando tornada idólatra - se você está escandalizado com essa crítica à ela, talvez você já a idolatre - pressupõe que toda a autoridade vem do povo, desbocando essa autoridade numa espécie de tirania da maioria.


Ainda há as tendências socialistas e comunistas que darão todo poder ao Estado, vendo-o como o ser redentor de todo mal e injustiça, o meio que salvará a humanidade nem que para isso sacrifique a liberdade e instituições não estatais como famílias e igrejas. Para eles, essas esferas devem ser sacrificadas na cruz pelo deus Estado.

Todavia, como já foi dito anteriormente, toda a autoridade civil venho do Senhor (Rm 13.1; Cl 1.16; Mt 28.18). Abraham Kuyper, um político cristão de grande intelecto, que propagou a cosmovisão cristã nessa esfera, ressaltou:


“A autoridade sobre os homens não pode originar-se de homens. Nem mesmo de uma maioria em oposição a uma minoria, pois a História mostra, quase em todas as páginas, que muitas vezes a minoria estava certa. E assim, a primeira tese calvinista de que somente o pecado tornou indispensável a instituição de governos, esta segunda e não menos momentosa tese é adicionada que: toda autoridade de governo sobre a terra origina-se somente da Soberania de Deus” [4].


Ou seja, a autoridade governamental vem de Deus e sua existência é um efeito da queda e depravação humana. Ele serve a Deus para honrar os que fazem o bem e punir aqueles que fazem o mal (Rm 13.4; 1Pe 2.14). Ele nem vem do homem, nem do povo nem tem existência ontológica e messiânica. Qualquer uma dessas ideias não podem compactuar com uma cosmovisão cristã da política.

Nesse primeiro post, discorremos sobre a natureza do Estado, sua origem e ideias não bíblicas a seu respeito. No próximo post, discutiremos uma teoria política baseada nas ideias cristãs, de como o governo deve se comportar, e seus limites.


Notas

[1] GRUDEM, W. e ASMUS, B. Economia e política na cosmovisão cristã. Editora Vida Nova, 2016.
[2] DOUGLAS, J. D. Novo dicionário da Bíblia. Editora Vida Nova. 2006.
[3] Um exemplo de um argumento liberal a respeito da natureza má do Estado, a partir da Bíblia <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1998>
[4] KUYPER A. Calvinismo. Editora Cultura Cristã, 2008.

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