O Whey Protein de Deus - #2

Texto base: 1Coríntios 1.10-2.5
Depois de elogiar uma Igreja com grandes problemas (veja aqui), Paulo começa a entrar em pontos delicados. Primeiro, (1) ela estava dividida em facções ou correntes que entravam em discordância, solapando o corpo (v. 1.11). Além disso, (2) eles buscavam o que Paulo chama de sabedoria de homens: discurso eloquente, vãs filosofias, grandes retóricas. Não se sabe ao certo qual o cerne dos embates, mas pelo que analisam alguns exegetas, eram preferências quanto ao enfoque que Paulo, Apolo e Pedro davam em suas mensagens [1]. Havia até alguns que, talvez querendo mostrar piedade, se diziam de Cristo (v. 1.12). Por fim, (3) eles cultuavam o poder da persuasão, da personalidade e liderança humana.

Sobre as divisões: A intersecção de retas

Como Paulo vem corrigir essas correntes? Simples: apresentando a cruz! Diferente do que eu ou você abordaríamos o assunto, o apóstolo apresenta a mensagem da cruz. Ele começa provocando: "acaso, Cristo está dividido?" (v. 1.13). Obviamente, não. Pelo contrário, a intenção da pergunta é fazer os coríntios perceberem que é a cruz que nos une. É na cruz onde todas as denominações e posições teológicas se tornam irmãs siamesas. Mesmo com enfoques diferentes, Pedro, Paulo e Apolo testemunhavam do mesmo Cristo.

Visivelmente aquela congregação se esqueceu desse "pequeno detalhe" do cristianismo. Estavam preocupados demais com coisas mais "sábias" e profundas. Estavam mais interessadas em pregações eloquentes e quem sabe, mais atrativas e bem humoradas. Assim, eles se esqueceram que foram chamados para a comunhão em Cristo (v. 1.9, vide o post anterior).

Hoje não é diferente. Vemos fies em busca de milagres, supostas promessas e grandes feitos (v. 22a). Para eles, a mensagem do Cristo crucificado chega a ser vergonhosa diante dos feitos de seus líderes. Já outros são mais sofisticados e buscam grandes palestrantes, belas palavras. Para esses, o Cristo crucificado é arcaico e loucura (v. 22b). Mas nós não podemos ser cristãos e negligenciarmos isso. Não podemos ir atrás de milagres ou de grandes pregações (v. 22) e esquecermos que a morte de Cristo é o âmago de nossa fé.

Sobre a prepotência: o fracasso da cruz

Certa vez, o papa Francisco em uma de suas homilias disse que o mundo olha para o Evangelho como o fracasso da cruz [2]. Francis Davidson corretamente diz: "Em si mesma a cruz é sinal de ignomínia e derrota" [3]. No excelente hino "Rude cruz" cantamos "Rude cruz se erigiu / dela o dia fugiu / como emblema de vergonha e dor".
Sim, essa é a loucura da pregação. Num mundo de culto ao "eu", de enaltecimento de grandes homens e feitos, das "personalidades fortes", ser convidado a seguir alguém que sua maior conquista foi morrer numa cruz soa simplesmente insano. Hernandes Dias Lopes faz um excelente comentário:

"É interessante que Paulo não está pregando Cristo, apre­sentando-O como um homem perfeito, ou um ilustre mes­tre da religião, ou mesmo como o supremo exemplo da espiritualidade. Antes, Paulo está pregando “Jesus Cristo e este crucificado”. Ou seja, Paulo está anunciando a morte de Cristo. Todas as vezes que a igreja perde de vista a centralidade da morte de Cristo, ela perde a essência do pró­prio evangelho". [1]

De fato, o Evangelho passa longe desses "sábios gurus" e "mestre da moral" que o mundo, especialmente o empresarial, elegeu. Ele não se encaixa em nada na cultura do coach. E a igreja em Corinto precisava entender isso. Suas contendas eram resultado de uma ambição egocêntrica, estranha àqueles que não saem dos pés da cruz; àqueles que vivem Coram Deo. "Como alguém pode ser arrogante quando fica ao lado da cruz?" [4].

Mas Paulo não termina ai. Ele demonstra como essa louca mensagem é o poder de Deus (v. 1.18; 24). Sim, poder de Deus. É conhecido que os membros da Igreja em Corínto eram fascinados pelos dons espirituais. De certo, eles olhavam para as manifestações do Espírito e pensavam: aí estar o poder de Deus. Todavia, a passagem mostra que o poder de Deus para o homem está na fragilidade do Evangelho da cruz, o Evangelho do Cristo crucificado.

Aqui cabe a doxologia de Paulo em Romanos 11: quão insondáveis são os juízos do Senhor. Seus planos são tão maiores que o nosso que aprouve a Ele fazer tudo na contramão do espírito dessa era. Assim, ninguém pode se vangloriar em si mesmo (v. 1.29). Antes, gloria-se no Deus que faz do frágil, fortaleça; da simplicidade, sabedoria; do pecador, justo (v. 1.30). "A fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem" (v. 1.25b)

Sobre a sabedoria humana: O verdadeiro sabido

Por isso Paulo também afirma que essa loucura é sabedoria de Deus (v. 1.24; 30). Veja bem, toda a discussão dos coríntios advinha do foco errado na sabedoria humana. Eu imagino os membros de lá discutindo entre si conjecturas, assim como os sofistas da época. Entretanto, ao retirarem os olhos da cruz, eles se esqueceram que o Evangelho não chegou até eles através de vãs retóricas (v. 2.1) e sim através dessa sabedoria excelsa. 

Aliás, os próprios coríntios eram prova disso, uma vez que eles mesmos eram humildes aos olhos do mundo (v. 1.26). Eles mesmos eram prova viva da simplicidade e loucura da pregação (v. 1.27-28) e estavam fechando os olhos para o seu próprio testemunho.

Sendo assim, vemos que Paulo tratou dos três problemas em Corinto (divisão, sabedoria humana, ambição egocêntrica) com o mesmo remédio: o Cristo crucificado. Ele é a união, humildade e a verdadeira sabedoria que os coríntios precisavam.

Mas contemplo essa cruz

Por fim, ao constatar o quanto aqueles irmãos haviam se caído ao desprezar a Pedra Angular e de redirecioná-los por ela, Paulo faz questão de mostrar que contemplava essa tal cruz. Logo ele estava ciente de sua fraqueza, e com tremor e temor, não ousou falar nada além da cruz (v. 2.2-3).

Quantas das nossas Igrejas desse Brasil varonil já se esqueceram de Cristo? Quantos dos nossos líderes, ao fazerem isso, já não perderam a noção de sua fraqueza? Quantos dos nossos sermões já não tem mais espaço para falar do Cristo crucificado? Quantos dos nossos cultos pouco se fala do sacrifício de Cristo?

Não basta ser crente, temos que ser cristãos. Ele é o centro de nossos sermões, cânticos, cultos e de nossa vida. É inconcebível uma Igreja que não proclama seu Senhor initerruptamente. É uma noiva que não ama seu marido.

Ele é o cabeça da Igreja (Cl 1.18). Entronizemos diariamente Jesus de Nazaré, nosso Senhor.



Notas

[1] LOPES, H. D. 1ª Coríntios - Comentários expositivos Hagnos. Editora Hagnos
[2] Homilia aqui <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2015/documents/papa-francesco_20150924_usa-omelia-vespri-nyc.html> Não acompanho, admiro (ou coisa parecida) o papa. Conheço a homilia por causa de uma polêmica na época em que foi proferida. Achei provocativo citá-la, pois mesmo desta vez não havendo problema no sermão, houve um murmurinho por parte daqueles que não entendem esse "fracasso" (além de gente que só queria falar mau mesmo).
[3] DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Vida Nova, 1963.
[4] MAHANEY, C. J. Humildade, verdadeira grandeza. Editora Fiel, 2008.

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